terça-feira, 20 de maio de 2014

DOIS AMIGOS NA ESTRANHEZA



Rocha de Sousa, pintor pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, realizou uma obra plástica cujo relevo teve a sua mais clara orientação durante o tempo que fez parte do grupo da galeria JuditeDacruz. Embora outros críticos e jornalistas tivessem, nessa época, referido o trabalho do pintor, foi Rui Mário Gonçalves quem mais profundamente se referiu a ela, em particular quando da apresentação dos Posters. Nesse texto foram relacionados com maior rigor a reflexão de Rocha de Sousa sobre os fenómenos da percepção conjugados com as formas de representar no desenho e na pintura uma certa ordem das coisas. A ruptura que o olhar permitia num ver em mobilidade sensorial, em contraste com os processos conceptuais, conferia ao artista espaços onde cada linha de significação aparecia e desaparecia, trabalhando assim novas figurações com a memória clássica dos lugares, catástrofes e ruínas. Esta alma do discurso pictórico, passando pelos Retratos in (Dacruz) e Os Personagens Ilustrados (GM. Almada) que, por sua vez, integraram a mensagem urbana dos Posters, Memórias (Gal. 111) e a reinvenção da pintura propriamente dita com uma figuração desfigurada sempre nomeada como Desastres Principais (Gal. Valbom). 
Com esta síntese da obra visual de Rocha de Sousa podemos iniciar a compreensão das imagens que nos foi oferecendo através do cinema de pequeno formato e ultimamente, além da crítica de arte, a sua quase convulsiva produção literária, desde Os Passos Encobertos, a Casa Revisitada, até outros títulos como A Culpa de Deus, A Casa, Talvez imagens e Gente de Um Inquieto Acontecer, Narrativas da Suprema Ausência e entretanto este intrigante romance, como formato, intitulado Os Fantasmas de Lisboa. Para dar nota sobre esta obra, sem a pretensão da análise ou da indicação de sinais contemporâneos, dizemos que o pintor continua nesta prosa, além dos livros anteriores, a relatar as mesmas duras provas do mundo, e no caso agora referido entre a ironia e a mágoa de quem perde o seu mais genuíno sonho: a Cidade Convento S. Francisco,  edifício que havia resistido ao terramoto de 1755 e acaba por se desfazer, em menos de um ano, perante o olhar de uma Lisboa dos anos 60, vista muito do Chiado. Isso imprime um forte sentido de crise, reflectido pelas duas personagens principais da história. Também na população mesclada da população, na qual aumenta a presença sugerida de mutantes, realidade talvez já transfigurada sem que as pessoas em geral se apercebam das metamorfoses, alguns séculos da história entretanto submersa com os fantasmas de Lisboa.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

DESASTRES PRINCIPAIS OU UM MUNDO SEM RAZÃO


São narrativas, efectivamente: são a trágica viagem por um mundo sem razão, rupturas da própria modernidade e seus mais nobres conceitos, cravando as mais diversas contradições e guerras num capitalismo ciclónico, selvagem, contra-natura. A milenar evolução da Humanidade começa a desagregar-se, perdendo o sentido de antigas culturas.
Este livro foi escrito em cerca de dois meses, pela leitura diária de vários jornais perante a guerra da Síria, debatendo tais vozes, a par de outras crises em redor, no Paquistão, no Líbano, no Afeganistão, e também observando as concepções inomináveis dos talibãs, das suas escolas, lutas contra a normal percepção e desejo criativo da pessoa humana. Entre tudo isso há estranhos casos intercalados de naufrágios, os mais diversos, que afinal ligam as suas perdas históricas ao afundamento da Síria e à legenda de um casal de sobreviventes que, após uma deriva pela arte, concentra em casa memórias de épocas em que as alavancas do progresso suscitavam abertura e esperança, entre nostalgias perante um futuro cada vez mais opaco, apesar da Globalização que torna tudo instantâneo e cada vez mais despido das almas e das suas identidades territoriais.

quinta-feira, 28 de março de 2013

UMA GUERRA INÚTIL E OS ROSTOS SIMBÓLICOS












                                             
                                                                                                                                                                                                     ____________________1_______________________2________________  

1 Crónica de uma das primeiras comissões na Guerra de Angola, escrita num estilo que empresta certo tom de atmosfera ficcional ao livro, embora tudo o que nele se narra, por vezes com força lírica, corresponda por inteiros a factos autênticos (excepto no que se refere a alguns nomes). De início até ao fim, regresso a Lisboa, ao entardecer, à medida que Luanda deixa de «existir» no horizonte.
2 Deriva por sonhos e rostos, falas e risos em contraste com certas nostalgias, viagens para perto, encontros, murmúrios e afectos.  Teresa ou Luísa, Cristina amanhã, todas elas simbolizam diferentes patamares sociais, ideias e comportamentos diferentes. O quotidiano dilui-se nessas percepções e diálogos, entre meses ou anos diferentes, rangendo por vezes alguma dor perante a sociedade decadente que tudo envolve.   
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segunda-feira, 25 de março de 2013

A VOZ DO CORPO OU A LÍRICA DO DESESPERO


Um pouco a história de uma mulher, nascida em África, de família branca, inquieta desde muito jovem, banhada pela força da baía que tocava a sua cidadezinha mas sobretudo votada a um desassossego que a ligava às artes, pintura, desenho, embora as suas cartas para as primeiras pessoas de quem se aproximou revelassem um devir de assombro e lírica. Assim procurou, em casa de família, estudar em Portugal, na província, tutelada pelos avós e acompanhada do irmão mais velho. Dois anos mais tarde volta a África, com o coração já partido, escolando como podia e procurando a libertação do corpo e do imaginário. Fugindo da norma, casando e sofrendo as primeiras grandes vicissitudes, foi recolhida pelos pais, foi  amada por eles, e a independência da nação, que também era sua, rasgou-lhe o horizonte de várias utopias, entre militares, cursos, um novo casamento, os filhos trasladados entre a sua bela casa e a casa dos avós, uma bicicleta, um lugar institucional, um atelier onde se isolava e recebia amigos mais ou menos imbecis e o sonho da dança e uma viagem à RDA onde verificou ter um mal de coluna e se apaixonou por um maestro de leste, num palácio que Brontë acharia bom para o seu romantismo. Ela também. Mas os ofícios do Governo eram claros quanto ao corte da bolsa e tudo se desmoronou em novos estudos em Lisboa, trocando os abraços e os abraçados, perdendo quase tudo, vivem uma profunda indigência, com álcool e decadência, longe de todos, recebendo uma ou outra amiga e o cão doente que logo a amou e viu as asas dos corvos, a casa despedaçada, o chá e alguma fatia de bolo, em todo o caso lúcida como nunca, assente num corpo alargado que tapou quase por completo a sua antiga beleza. Mas quando morre diz que tem a boca cheia de palavras e começa então a contar a verdade sobre a sua verdadeira vida.

domingo, 24 de março de 2013

A CASA DOS VELHOS OU A MORTE DO MUNDO

 
Este livro, A Casa, abre uma paisagem dolorosa de um imenso Centro de Acolhimento para a terceira idade, no qual, como no maior e mais velho paquete do mundo, centenas e centenas de passageiros se acumulam numa rotina patética. Todos esses velhos vivem como num lugar que lhes fornece quase tudo o que é preciso para uma vida normal, incluindo assistência médica, mas algo acontece para lá dos jardins, sobre os quais alguns hóspedes mais novos contam, após fugas malogradas, a impossibilidade de chegar ao fim, de encontrar alguém ou alguma estrada. O narrador daquela situação caracteriza pessoas, destinos, memórias da guerra, envelhecendo com os que vão ficando. Aquele mundo, onde até há uma biblioteca fabulosa, parece degradar-se com uma maior queda da demografia, entre mortes e suicídios. Tudo se resume, por fim, a meia dúzia de pessoas ensandecidas ou ao homem que tudo nos contou e se recolhe, sozinho, ao seu quarto, fitando o disco que segurava a lâmpada e onde ele julgava ver, em semelhança, o Mar da Tranquilidade, aspecto morfológico da lua.

EDITORAS CONTRA A PESQUISA DA NOVA ESCRITA

   
1                                                                                        2

1 Obra sobre a concepção de Deus na vida humana. Um antropólogo ou talvez cientista, eventualmente filósofo, faz-se acompanhar por um cicerone e visita locais como centros da terceira idade, hospitais, manicómios, universidades e colóquios, considerando tais lugares susceptíveis, pela dor e pelo pensamento, de lhe fornecerem sinais concretos de um Deus manifestado. Este homem procura descortinar em tais núcleos (onde a dor é manifesta) justamente algo que se lhe revele como presença de Deus, até agora insondável por vias de contacto em pesquisas assim. O livro coloca o problema do livre arbítrio.

 
2 A Escola Superior de Belas Artes, agora Faculdade da UL, é primeiro vista por um aluno nos piores anos antes da "reforma de 57" -- a decadência, o rigor irracional, as aulas sombrias. Numa segunda parte do livro, esse aluno aparece já como docente da mesma Escola, lutando pela claridade, pelo enterramento dos segredos conventuais ou manobras sigilosas, vivendo entretanto a paixão da mudança de regime, após o "25 de Abril", enquanto navega num mar de gente e de faladores, todos procurando instaurar a verdadeira reforma do ensino das artes ao nível superior, sempre perante a obtusa visão das coisas por parte dos novos governantes, cegos à cultura nesses termos mas conquistando um caminho plausível após uma longa viagem de assembleias e lutas contra o muro da política. Ele sai, enfim, sem que ninguém repare no facto.  

domingo, 4 de setembro de 2011






A Educação não corrompe;

a corrupção não nasce com
o homem.

Veja como o visível é tema de

viagem por este universo
transparente.